CONTRA AQUELES DIFÍCEIS DE AGRADAR
2005


fabulas


As Fábulas de La Fontaine
Projeto concebido e realizado por Annie Sellem e La petite Fabrique, França

Como decidir por apenas uma dentre as centenas de fábulas escritas por La Fontaine? O que sublinhar através da dança na literatura desse mestre?Temas, ensinamentos (a moral), personagens, diálogos? Nesse universo tão vasto buscamos temas que também pertencessem ao universo de inquietações da Cia Lia Rodrigues de Danças. Não queríamos uma certeza, mas uma pergunta, de preferência, sem uma resposta possível.
A imensidão das questões tocadas pelo autor, nos permitiram encontrar pontos comuns entre a França dos Luíses, descrita e criticada pelas penas afiadas de La Fontaine, e os olhares que lançamos e que nos lançam no Brasil de hoje. Somos artistas num país dito periférico frente a países ditos centrais. Mas quem são os fortes e quem são os fracos, nesses mundos? Perder ou ganhar não seria apenas uma perspectiva do olhar? Podemos imaginar que como ocorre em le Chaîne et le Roseau, as relações de força ganhem rumos inesperados?
Nessa busca, deixamos de fora aquelas fábulas mais conhecidas e que até aqui fazem parte do imaginário de crianças, jovens e adultos. Nos aproximamos do artista La Fontaine, de suas inquietações, pensamentos e escolhas. Chegamos então à “Contra aqueles dfíceis de agradar”. Nessa fábula, La Fontaine coloca em diálogo o autor e o crítico. Não apenas ele, Jean de La Fontaine, e seus inúmeros críticos, mas essas posições eternamente imbricadas e complementares: a de quem faz e a de quem recebe.
La Fontaine desenha diferentes caminhos por onde a criação pode trafegar. Cada possibilidade é questionada por esse outro, censor ou crítico, que pode ser ainda ser apenas outro lado do próprio artista. Afinal, quem são aqueles difíceis de agradar? Os críticos? O público? Quem é esse outro? Não seria a insatisfação do artista aquilo que o move a transformar, desmontar, recombinar, criar e arriscar mais uma vez?
Na arte, como na vida, agradar aos outros e a si mesmo é circunstancial.
Deixar/Imaginar o mundo aberto, sem posições estanques, pré-determinadas e não cambiantes. Ser cigarra e formiga, carvalho e roseaux., rei e vassalo, proprietário e propriedade, artista e critico da arte e crítico do próprio mundo. Sempre que for possível.

Direção e coreografia:
Lia Rodrigues

Dramaturgia
Silvia Soter

Intérpretes
Marianne Simon e Sylvie Pabiot

Colaboração na criação:
Micheline Torres, Marcele Sampaio, Amália Lima, Jamil Cardoso, Sandro Amaral, Celina Portella, Francine Barros e Allyson Amaral

Figurino:
Francine Barros

Realização do Figurino:
Clotilde Barros Pontes

Música:
Les Motivés (Chants de Lutte)

Iluminação:
Franck Niedda

Essa criação é para o Antonio e a Isadora


As Fábulas de La Fontaine
Pequenas criações coreográficas para público de todas as idades
Projeto concebido e realizado por Annie Sellem

Producão:
La Petite Fabrique

Co-produção:
Compagnie Maguy Marin/Centre Chorégraphique de Rillieux-la-Pape, LeToboggan/ Centre Culturel de Decines, Pôle Sud/Strasbourg, Centre National de La Danse/Pantin,Centre Culturel Aragon/tremblay en France, Centre des Bords de Marne/Le Perreux-sur-Marne, Groupe des Vingt Théâtres en lle de France.

Parcerias:
DRAC lle de France, ADAMI,
Fondation de France, AFAA pour les tournees à l'étranger Remerciements au
Consulat Général de France à Rio de Janeiro




A Fábula
Contra as pessoas difíceis de agradar

(LA FONTAINE, tradução de Milton Amado e Eugênio Amado.)


Se, ao nascer, eu tivesse recebido os dons / que Calíope reserva a tão poucos mortais, / poderia engendrar mil relatos, tão bons / como os que fez Esopo: criações geniais. / Porém, como não fui do Parnaso escolhido, tomo dessas ficções e lhes ponho ornamento. / Se melhores não ficam, que fazer? Lamento, / mas deixo tal mister para alguém mais sabido. / Tentando dar um toque mais atual ao conto, / fiz o lobo falar, e o cordeiro, de pronto, / responder. Também dei às plantas, mudas antes, / o dom de se tornarem seres bem falantes. / Não é maravilhoso ter-se um tal poder? / “Por certo, são palavras belas” / (ouço os críticos a dizer). / “Será que as hão de merecer / histórias infantis, ridículas balelas?” / Ah, censores, quereis temas mais elevados? / Lá vai: Resistiu Tróia, dentro das muralhas, / a dez anos de guerra. Os gregos, já cansados, / depois de mais de cem batalhas, / pensavam desistir de tomar a cidade, / quando inventou Minerva, com sagacidade, / um estratagema fantástico, / que iria permitir tomar, de modo drástico, / a cidade sitiada: um enorme cavalo, / posto onde podia avistá-lo / a sentinela alerta; em seu ventre, porém, / escondiam-se os gregos, chefiados – por quem? – / por Ulisses, o sábio, por Ájax, o audaz, / por Diomedes, sem medo. E assim / caiu Tróia num dia. “As frases não são más,” / diz um censor qualquer, “mas custam a ter fim: / haja fôlego! De outro lado, / é mais fácil acreditar / numa raposa a bajular, / que num cavalo desses, tão exagerado! / De mais, esse elevado estilo não te assenta.” / Um tom abaixo, então. Amarílis ciumenta, / sonhava com Alcipes, sem quaisquer receios / de que as testemunhas desses devaneios / fossem outras que o cão e os carneiros. Contudo, / a espreitar, num salgueiro, Tarcísio ouviu tudo. / – “Zéfiro” – ela diz, suplicante –, / “faz escutar-me o meu amante.” / Eis que o censor reaparece / e me interrompe neste instante. / “Esse final não obedece / às regras da boa Poesia. / Os últimos dois versos têm de ser refeitos.” / Esse censor bem que podia / Parar de procurar defeitos. / Como ele, tantos descontentes / a tudo fazem restrição! / Infelizes dos exigentes / que em nada acham satisfação.